João Luis Ceccantini

Conflito de gerações, conflito de culturas:

um estudo de personagens em narrativas juvenis brasileiras e galegas

João Luís Ceccantini

Brasil – UNESP/ Faculdade de Ciências e Letras de Assis

(ceccantini@uol.com.br)

 

Resumo: O trabalho realiza uma análise comparativa de narrativas juvenis contemporâneas das literaturas brasileira e galega, tratando de questões ligadas à diversidade cultural e à dialética minoria/maioria. São abordadas, segundo um jogo de aproximações e distanciamentos, representações de jovens vendo-se sob as coerções de culturas em circulação nas modernas sociedades urbanas, diferentes da vivenciada em sua casa e com sua família. Para levantar os aspectos temáticos-formais que compõem o estudo foram selecionadas obras legitimadas pelas instituições literárias de seus respectivos países, buscando-se analisá-las sem perder de vista o tratamento estético conferido aos temas em pauta pelos autores.

Palabras chave: literatura brasileira, literatura comparada, literatura galega, narrativa juvenil contemporânea.

 

Abstract: The work carries out a comparative analysis of contemporary young-adult narratives from Brazilian and Galician literatures, dealing with questions connected to cultural diversity and to the minority/majority dialectic. Representations of teenagers are approached, according to a game of approximation and distance, as they see themselves under coercions of cultures that circulate in the modern urban societies, different to the one they used to live in their houses and with their families. In order to raise the thematic-formal aspects of which the study is consisted of, works legitimated by literary institutions in their respective countries were selected, with the aim of analyzing them without letting the aesthetic treatment bestowed by the authors upon the themes on the agenda out of sight.

Keywords: Brazilian literature, comparative literature, Galician literature, narrative contemporary young-adult.

 

A pesquisa, ancorada na tradição dos estudos de literatura comparada, estabelecida com sucesso no Ocidente há mais de um século, apoia-se na ideia de que os subsistemas literários configurados pela literatura juvenil brasileira e pela literatura juvenil galega emergem de contextos com alguns pontos em comum, que convidam a um movimento de aproximações e distanciamentos entre obras oriundas dos dois universos, o que pode ser bastante fecundo para uma compreensão mais vertical de um e de outro.

De uma perspectiva cronológica, os dois subsistemas constituem fenômenos recentes, que remetem ao último quartel do século XX. No caso brasileiro, a consolidação da literatura juvenil como gênero razoavelmente autônomo – em oposição à literatura infantil – deu-se por volta de meados da década de 70, quando passa a contar com um conjunto significativo de autores e obras associados especificamente a um público leitor jovem e ocorre a legitimação do campo por instituições literárias que concedem prêmios na modalidade literatura juvenil ou se voltam à produção regular de pesquisa na área. No caso da literatura juvenil galega dá-se fenômeno semelhante, talvez deslocado em uma década à frente, na medida em que a produção mais regular e substancial de livros juvenis, bem como sua legitimação pelas instituições literárias, ocorre, sobretudo, a partir de meados da década de 80.

Como aspectos que convidam à aproximação dos dois subssistemas literários, brasileiro e galego, é preciso evocar, ainda, para além do fato evidente de que os dois têm sua forma de expressão em línguas vinculadas a uma mesma matriz – o galaico-português, alguns dados do contexto sociopolítico-cultural que chamam a atenção por sua similaridade e certamente inpulsionaram na mesma direção certos temas e formas da produção literária das duas culturas. Deve-se destacar o fato de essa produção literária emergir com força, nos dois casos, em sociedades que atravessavam um momento de transição política, saindo de ditaduras para regimes democráticos, e que, no bojo dessas transformações sociais, implementaram leis vinculadas à Educação que criaram condições propícias para a explosão do gênero juvenil.

No caso do Brasil, a Lei 5692 das Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1971) expandiu largamente o acesso à escola, trazendo para o ensino público grandes contingentes de jovens provenientes de grupos sociais iletrados, o que criou novas necessidades educacionais, dentre elas, modificações na metodologia de trabalho com a leitura, particularmente no que concerne ao texto literário. Muitas dificuldades se fizeram presentes na formação dessas novas faixas do potencial público leitor que passava a chegar à escola, em especial a resistência manifestada ao corpus canônico da “literatura adulta” que até então circulava no meio escolar. Atento para o fenômeno, o mercado editorial buscou ou encomendou textos que atendessem ao novo perfil desse público (e mesmo da nova geração de professores que passa a atuar na escola), o que resultou no crescimento vertiginoso, à época, do número de novos autores e de lançamentos de textos literários voltados às crianças e jovens, com tiragens colossais, boa parte das vezes impulsionadas por compras governamentais de grande porte.

Quanto à Galícia, com a Promulgação da Nova Lei de Educação (1970), do Plano Galícia de Educação (1971) e da Constituição (1978), com as leis resultantes, criaram-se, tal como no Brasil, condições excepcionalmente favoráveis para que se fortalecesse o campo geral da literatura infanto-juvenil (Roig Rechou, 2008: 18):

 

(...) conformou-se um leitorado potencial de grande interesse para os produtores, graças à definitiva implantação da língua galega e sua literatura nos centros de ensino, devido ao fato de que as leis que foram postas em vigor a partir da Constituição, 1978, começaram a estimular a produção, uma vez que sua presença era obrigatória nos centros de ensino, e propiciaram uma série de normas que levaram as instituições ao compromisso de apoiar e promover os livros para os mais jovens.

 

Frente a esse contexto, tanto brasileiro quanto galego, não admira que boa parte dos autores que se lançaram na literatura infanto-juvenil e alcançaram sucesso no setor tivessem estreitos vínculos profissionais com a instituição escolar em alguma fase da carreira, na medida em que a escola cristalizou-se como espaço por excelência de circulação da literatura juvenil. Se nos ativermos a dois expoentes de cada uma das duas literaturas – Lygia Bojunga (1932) e Agustín Fernández Paz (1947) –, temos um exemplo típico de escritores que, em maior ou menor grau, estiveram envolvidos com o movimento de renovação educacional de seus países, associado ao contexto apresentado.

Em meio à pletora de possibilidades que se oferecem para a comparação de aspectos ligados à produção ligada aos dois subsistemas literários, dadas as afinidades entre os dois, uma vertente sedutora de investigação é a de comparar personagens de narrativas juvenis brasileiras e galegas, explorando questões ligadas à diversidade cultural e à dialética minoria/maioria. O novo contexto político e cultural do qual brota cada uma dessas literaturas, impregnado, então, de um sentido libertário e com agentes empenhados em superar a condição de exclusão, nos mais diferentes níveis, a que foi relegada imensa parcela da população, dá margem para que se façam presentes, na literatura juvenil, representações do jovem que se vê sob as coerções de culturas diferentes daquela por ele vivenciada no interior de sua casa e de sua família, em sociedades que vivem intensas transformações sociais. Assim, procura-se indagar como, na construção da identidade das jovens personagens, se dá o embate entre valores geralmente atrelados às tradições de sua cultura familiar e aqueles agora em circulação nas modernas sociedades urbanas, em que, cada vez mais, as novas gerações comungam de contextos culturais globalizados, moldados segundo valores típicos da indústria cultural e associados ao universo das novas mídias e tecnologias.

Para o levantamento dos aspectos temáticos-formais que dão corpo ao estudo foram selecionadas obras brasileiras e galegas legitimadas pelas instituições literárias de seus respectivos países, buscando-se analisar as narrativas sempre sem perder de vista o tratamento estético conferido aos temas em pauta pelos autores. No âmbito dos conflitos vividos por esses jovens heróis (ou melhor, anti-heróis) colocados contra a parede, destacam-se, em meio à riqueza de temas abordados na produção contemporânea, questões como: a oposição entre os valores de uma sociedade rural e agrária e o mundo urbano e industrializado; a visão mítica de mundo e uma perspectiva racionalista da realidade; o dado local e o cosmopolita; as identidades nacionais e o fenômeno da globalização; o confronto entre a intolerância e o reconhecimento do espaço social do outro; o embate entre os papéis masculinos típicos de sociedades patriarcais e o lugar social da mulher no mundo contemporâneo; os variados processos de exclusão social; a oposição entre centro e periferia; as múltiplas identidades sexuais, étnicas, culturais; o poder dos adultos em contraste com o poder dos jovens.

O corpus básico que serviu de base à pesquisa é composto pelas seguintes obras:

a) literatura juvenil brasileira: Antes que o mundo acabe, de Marcelo Carneiro da Cunha (Porto Alegre: Projeto, 2000); Todos contra Dante, de Luís Dill (São Paulo: Companhia das Letras, 2008); Bicho-do-Mato, de Martha Azevedo Pannunzio (Rio de janeiro: José Olympio, 1985); Cartas Marcadas: uma história de amor entre iguais, de Antonio Gil Neto e Edson Gabriel Garcia (São Paulo: Cortez, 2007); Pobre corintiano careca, de Ricardo Azevedo (São Paulo: Melhoramentos, 1995); Pivetim, de Délcio Teobaldo (São Paulo: SM, 2009); Corda bamba, de Lygia Bojunga (Rio de Janeiro: Agir, 1979);

b) literatura juvenil galega: Rinocerontes e quimeras, de Marcos S. Calveiro (Vigo, Tambre, 2007); Illa Soidade, de An Alfaya (Vigo: Xerais, 2007); ¿Sobrevives?, de Fina Casalderrey (Vigo: Xerais, 1996); A banda sen futuro, de Marilar Aleixandre (Vigo: Xerais, 1999); Memorias dun neno labrego, de Xosé Neira Vilas (13.ed. A Coruña: Ediciós do Castro, 1985); As cousas claras, de Xosé A. Neira Cruz (Vigo: Xerais, 2000); O centro do labirinto, de Agustín Fernández Paz (Vigo: Xerais, 1997).

 

Referencias

ROIG RECHOU, Blanca-Ana (2008), A literatura infantil e xuvenil galega no século XXI: seis chaves para entendela mellor, Madrid / Santiago de Compostela: Asociación Española de Amigos del Libro Infantil y Juvenil / Xunta de Galicia.